Jaguar: Modernidade ou Desconexão?
Um dos casos mais recentes e controversos é o rebranding da Jaguar. A marca britânica, outrora sinónimo de luxo clássico, trocou o seu icónico logotipo tridimensional por uma abordagem minimalista, plana e monocromática. Uma decisão que, segundo a empresa, reflete a transição para o mercado de veículos elétricos e uma nova era de modernidade e arrojo. Contudo, será esta modernidade sinónimo de evolução ou apenas uma desconexão com a sua própria essência? Muitos fãs da marca apontam que o novo design e a nova campanha sacrificaram a mística da Jaguar, por uma aparência genérica e fria, que poderia pertencer a qualquer fabricante de tecnologia.
É preciso reconhecer que, ao optar por um design que se distancia completamente da tradição visual da Jaguar, a marca permaneceu fiel à sua assinatura ‘Copy Nothing’. De facto, cumpriram-na à letra, criando algo que rompe com qualquer referência ao passado — mas a questão que fica é: será que esse rompimento era necessário ou desejado? Convém relembrar que mais importante do que a polémica em torno deste assunto, é compreender qual a opinião do público-alvo. É ele que vai decidir se este rebranding está certo ou errado.
O Caso Burberry
A Jaguar não está sozinha nesta tendência. Em 2018, a Burberry deu um salto semelhante sob a direção criativa de Riccardo Tisci. O designer Peter Saville redesenhou a marca abandonando o seu logotipo serifado e tradicional por uma tipografia sans-serif mais limpa e moderna. Em 2023, sob a direção de Daniel Lee, a marca fez um “regresso às origens”, revertendo parte das mudanças. Com todas estas transfigurações, os resultados da marca estão em declínio. O CEO da Burberry chegou a atribuir este fracasso a uma “execução inconsistente da marca” e à tentativa de “afastar-se demasiado do seu núcleo”, algo que reforça o argumento de que um redesign que não se alinha com o público-alvo pode ter consequências negativas para a marca.
A mudança gerou reações mistas. Por um lado, a modernização atraiu um público mais jovem e cosmopolita; por outro, alienou os clientes que viam na Burberry um símbolo de herança e tradição britânica.
Este fenómeno levanta uma questão essencial: até que ponto o minimalismo, hoje quase obrigatório para a adaptabilidade digital, está a desumanizar as marcas? Até que ponto o esforço hercúleo para tornar as marcas ‘woke’ ou controversas, entrando em debates e tendências, se alinha com os seus valores ou públicos? A necessidade de participar em tudo parece forçada, e gera resultados que chocam mais do que cativam. Forçar relevância não é estratégia; é desespero.
Não se trata de desvalorizar ou ignorar a estética de um redesign – pelo contrário, todas as identidades mencionadas são visualmente agradáveis, bem construídas e funcionais. No caso da Jaguar, conforme mencionado pelo CMO da marca, o rebranding foi pensado ao longo de três anos e está alinhado com um reposicionamento que visa transformar a marca por completo. No entanto, o ponto crucial aqui é o alinhamento com o posicionamento original da marca e a preservação da sua história e valores. Se o rebranding se desvia tanto do seu legado, a dúvida que surge é se, na prática, não seria mais simples criar uma nova marca do que tentar reimaginar algo tão profundamente enraizado na identidade da Jaguar.
Na Miligram, acreditamos que o branding deve ser mais do que o foco em tendências. Precisa de refletir o núcleo da marca: alma, vontade e equilíbrio. Claro que modernizar-se é essencial — ninguém quer ficar preso ao passado —, mas essa evolução deve respeitar as raízes e o legado. O design não é apenas sobre estética: é sobre função e significado.
Enquanto consumidores e criativos, cabe-nos questionar e desafiar estas decisões. A modernidade não precisa de ser sinónimo de monotonia, e inovação não deve significar a perda de identidade.
Marcas sem história, sem raízes e sem autenticidade não são mais do que um negócio como outro qualquer. Desromantizar a marca é, muitas vezes, perder o seu lado humano – e, sem isso, como podemos esperar que as marcas cativem verdadeiramente os consumidores? Apenas o tempo revelará o impacto que estas mudanças terão.